Por Flávia Lubieska N.
Kischelewski
O professor norte-americano de direito Haggar defende que todo bom
jurista, especialmente aquele dedicado à redação de contratos, deve possuir
cinco características básicas: acuracidade, clareza, brevidade, simplicidade e
tom adequado.
Em resumo, o autor ensina que a acuracidade consiste em mais do
que ser preciso ao revisar as minutas. É necessário que o que se escreveu
corresponda exatamente aos objetivos de seu cliente. O texto pode estar bem
escrito, não ter quaisquer sortes de erros e ainda ter uma série de proteções
para os envolvidos, porém pode pecar na ausência da descrição dos verdadeiros
objetivos que vinculam as partes. Assim sendo, a descrição e o cumprimento das
obrigações estabelecidas pelas partes podem ficar prejudicados.
Com relação à clareza, é necessário que a linguagem contratual
seja direta, sem frases truncadas. O texto deve ser em prosa e a linguagem
afirmativa. Não há espaço para retórica, o que não quer dizer que, por vezes,
não seja conveniente que algumas sentenças beirem a redundância, no intuito de
serem efetivamente precisas e claras. Aqui não se trata de uso excessivo ou de
se ser repetitivo, mas de preciosismo na linguagem para evitar ambiguidades.
Com equilíbrio, não haverá conflito com a característica da
brevidade, visto que não existe uma regra que estabeleça uma quantidade de
palavras nem um limite de cláusulas. Isso somente poderá ser aferido frente ao
conteúdo do contrato e irá variar conforme a complexidade de seu objeto.
A brevidade está relacionada a cortar o supérfluo. Segundo Haggar,
deve-se ter um cuidado especial com relação à brevidade para que essa não seja
elevada ao extremo. Nesse sentido:
If an
idea can be expressed in a single 26 word sentence, then do it that way. But if
that idea requires six paragraphs for full expression, then anything short of
that would be inadequate. The answer to the question, How long should it be? Is
very simple: long enough and not one word longer (HAGGAR, 1996, p. 6-7).
Enquanto brevidade significa aqui se expressar com o mínimo de
palavras possíveis, simplicidade implica em dizer o que é necessário na forma
em que é apresentada.
Haggar ensina, também, que o “tom” da linguagem a ser utilizada
deve ser aquele de uso profissional. O jurista deve deixar de lado a escrita
rebuscada e pomposa, da mesma forma que as gírias e palavras coloquiais.
Tampouco há espaço para o jurista expor suas impressões pessoais.
Essas características, quando presentes, ajudarão na redação do
contrato. Para se ter certeza se elas estão presentes, recomenda-se revisar o
contrato quantas vezes forem necessárias, a fim de se verificar se tudo o que é
preciso foi incluído, se não há erros ou repetições, etc. É aconselhável que o
cliente também revise a minuta contratual, pois é ele quem conhece o negócio que
se está ajustando e é quem se vinculará ao termo redigido, sofrendo suas
consequências, sejam elas benéficas ou não.
Juntamente com a teoria geral das obrigações, é imprescindível que
o advogado conheça a legislação que cercará o contrato que se quer redigir. As
espécies de contratos mais comuns foram regulamentadas pelo Código Civil: são
os chamados contratos típicos. As disposições legais auxiliam na construção do
contrato, pois são um norte para o advogado, associada à teoria geral das
obrigações.
Além dos contratos em espécie referidos no Código Civil, há ainda
ampla legislação esparsa que regula determinadas contratações, como a Lei de
Locação, por exemplo. Não basta apenas conhecer a lei, é preciso entendê-la e
saber aplicá-la. Por exemplo, é importante que o advogado saiba que a Lei de
Locação não é usada para contratos em que um apart-hotel é cedido a terceiros.
Nesse caso, a Lei de Locação não é aplicável, devendo ser empregadas as regras
para contratos de hospedagem.
Deve-se ter cuidado com a legislação, sob pena de se ter um
contrato parcial ou totalmente nulo. Além disso, um dispositivo contratual
ilegal pode gerar responsabilidades cíveis e criminais às partes. Até mesmo a
omissão de alguma cláusula contratual, pode, em função da legislação, gerar
consequências. Existem, ainda, detalhes específicos que precisam ser
considerados quando da preparação de um contrato. No que tange os contratos de
adesão, por exemplo, o legislador recentemente demonstrou preocupação em
proteger os consumidores, fixando que sua escrita deve ser clara e o tamanho da
fonte empregada não pode ser inferior ao corpo doze (2).
(...)
A organização de um contrato é importante para sua interpretação e
execução. Para que isso seja possível, cabe ao jurista elaborar, primeiramente,
um plano, com base no check-list ou mesmo mentalmente, antes de se redigir o
contrato.
Define-se, então, um plano, estabelecendo a divisão dos assuntos,
classificando-os em categorias como, por exemplo, objeto, descrição dos
serviços, remuneração, condições gerais, etc. Nessa etapa, para cada categoria,
ao lado pode-se fazer um resumo do que será discutido ali, isto é, o que se
pretende tratar em determinado capítulo ou cláusula do contrato. Essa divisão
gerará um índice sistemático que direcionará a ordem a ser seguida para a
escrita do contrato.
Essa ordem, geralmente, acompanha a forma de execução dos
contratos. Num contrato de prestação de serviços, ilustrativamente, primeiro se
escreve sobre o objeto, depois acerca da forma de execução dos serviços, fixando
as obrigações das partes, incluindo-se aquelas especiais, em seguida define-se
o preço e a forma de pagamento, segue-se, então, para as características
especiais do negócio, como condição de aceitação dos serviços, inexistência de
vínculo trabalhista entre as partes, confidencialidade, etc.
É importante que o contrato siga uma ordem lógica, daí a sua
divisão mínima em cláusulas. Contratos mais complexos são, por vezes, divididos
em seções, títulos e/ou capítulos. Ao se fazer tal divisão, que pode ser
acrescida por uma denominação específica para a cláusula ou capítulo, por
exemplo, o jurista indica os temas a serem tratados naquela parte do contrato.
Aliás, se a denominação das cláusulas ou capítulos for adotada,
todas as questões afetas àquele tema devem estar naquele espaço. A inserção de
temas afetos a um determinado capítulo, mas que estejam colocadas
“curiosamente” em outras seções do contrato pode ser um indício de má-fé, vez
que se pode estar tentando induzir a outra parte em erro, ao se tentar esconder
dispositivos contratuais. É de se cogitar, nesses casos, a possibilidade de
anulação desses dispositivos dispersos, principalmente, nos contratos de
adesão.
A identificação do público que será atingido pelo contrato é algo
fundamental e que também deve ser considerada cuidadosamente na redação do
contrato. Ao contrário do que se possa imaginar, um contrato atinge muito mais
destinatários do que apenas os contratantes. Isso quer dizer que um mesmo
contrato poderá ser usado com diferentes finalidades.
Como exemplo, usemos uma situação em que uma empresa visa
construir uma usina hidrelétrica. O contrato para a construção do
empreendimento poderá variar desde uma empreitada simples somada a outros
contratos de fornecimento e montagem eletromecânica, entre outros, até um
contrato único e robusto na modalidade EPC.
Seja qual for o modelo adotado, o contrato de construção terá como
público, primeiramente, as partes envolvidas, que são os destinatários diretos.
A empresa está interessada na execução do empreendimento, nas garantias da
construção e na forma de pagamento.
O construtor, de seu lado, terá no contrato “um manual” a ser
cumprido, juntamente com a execução do projeto. O engenheiro responsável ou
coordenador do contrato será o guardião do cumprimento do contrato. Ele
representará a construtora e garantirá o cumprimento das obrigações para que a
construtora faça jus à sua contra-prestação.
Além das partes, a instituição bancária usará o contrato para
avaliar a concessão de financiamento. As instituições ambientais, de seu lado,
avaliarão os impactos causados pela construção contratada. Existirão, ainda,
fornecedores, bem como subcontratados, que também deverão agir de forma a
garantir o cumprimento das obrigações contratuais assumidas pela construtora. E
tantos outros formarão o público do contrato firmado. Até mesmo um juiz ou
Tribunal Arbitral será público do contrato caso seja necessário dirimir algum
conflito, estabelecer responsabilidades e definir valores devidos de uma parte
à outra. Sendo assim, quando da redação do contrato, deve-se lembrar que o
instrumento escrito deverá ser compreensível também para terceiros.
O tema da redação de contratos é pouco explorado no Brasil, o que
precisa ser remediado, posto que o preço da má redação de um contrato pode
custar a perda do cliente ao advogado, além de prejuízos diversos ao cliente
que poderá ter de discutir o contrato frente ao Poder Judiciário ou em
arbitragem.
A escrita contratual deve ser em prosa, sendo caracterizada pela
clareza, acuracidade, simplicidade, brevidade e profissionalismo. O uso de um
plano ou de um check-list podem ajudar o advogado na preparação de uma minuta.
Na redação contratual, o advogado deve ser parceiro de cliente,
para compreender o negócio que se está travando, a fim de que o contrato
reflita exatamente os deveres e obrigações de cada parte. Assim, a minuta do
contrato deve ser revisada pelo cliente. Essa necessidade se intensifica nos
casos em que o advogado não participou da negociação junto a seu cliente.
É preciso que os advogados se dediquem mais aos contratos,
especialmente com sua redação. Isso se justifica quando vemos que boa parte dos
conflitos, especialmente no âmbito empresarial, é fruto de quebras de contrato
e divergências quanto à interpretação de dispositivos contratuais.
Por fim, deve-se lembrar que a atuação do advogado não se encerra
com a redação do contrato. A execução do contrato deve ser monitorada após sua
assinatura. O advogado deve estar atento a mudanças na legislação ou na
situação do cliente que possam ensejar a revisão do contrato.
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