Antonio Pessoa Cardoso*
A característica
fundamental dos Cartórios situa-se no baixo custo operacional da atividade,
no risco zero da
operação,
seguido de altos
rendimentos para seus “proprietários”.
Portugal implantou no Brasil os Cartórios e as Capitanias
Hereditárias; a semelhança de uns com os outros reside no fato de que as duas
invenções permaneciam com pais e filhos e a dessemelhança está no
desaparecimento das Capitanias desde o século XVIII, enquanto há eternização
dos Cartórios que se tornam cada vez mais fortes.
A Constituição Federal autoriza a delegação da atividade cartorial
para o setor privado:
"Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos
em caráter privado por delegação do Poder Público".
A Lei 8.935/94 enumera quais os cartórios extrajudiciais:
"Art. 5º. Os titulares de
serviços notariais e de registro são os:
I – tabeliãs de notas; II – tabeliães e oficiais de registro de
contratos marítimos; III – tabeliães de protesto de títulos; IV oficiais de
registro de imóveis; V – oficiais de registro de títulos e documentos e civis
das pessoas jurídicas; VI – oficiais de registro civis das pessoas naturais e
de interdições e tutelas; VII – oficiais de registro de distribuição".
As atividades notariais e de registro incluem-se entre os serviços
públicos, delegados pelo Estado ao particular, mediante concurso público. Seus
servidores são dotados de fé pública, ou seja, o que eles atestarem
passa a ser verdade, porque vigente a presunção de veracidade de seus atos.
A desvinculação funcional desses servidores com o Poder Judiciário
deu-se com a Constituição de 1988, mas há doutrinadores que ainda
consideram os notários e registradores como funcionários públicos, vez que
concursados e fiscalizados pelo Judiciário, art. 14 Lei 8.935/94. A função é
privativa de bacharéis em direito.
As atividades desses servidores destinam-se a garantir a
publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos praticados.
Percebe-se então que são órgãos criados
para evitar litígios judiciais. Na verdade, a burocracia desses
serviços tem criado ambiente para maiores pendengas no Judiciário, além da
perda de tempo e dos altos custos exigidos de todos os cidadãos.
No Brasil, nem a lei é capaz de dispensar os carimbos, as
autenticações, os reconhecimentos de firmas, as certidões, os Cartórios enfim.
Vejamos a grande utilidade, por exemplo, da certidão negativa de
débito perante a receita!
Obtém-se a certidão de que nada se deve, mas, ao mesmo tempo,
insere-se, no documento, a ressalva de eventual dívida a ser apurada. Ou
seja, não é, mas é, não deve, mas poderá vir a dever.
Os Cartórios extrajudiciais não têm padronização dos documentos
que expedem, não possuem critérios precisos para instalação neste ou naquele
município, não há troca de informações entre as unidades, pois, em
grande parte, falta-lhe o uso da tecnologia disponível; ademais, há grande diversidade
de remuneração, vez que enquanto uns percebem milhões por mês,
outros recebem o salário mínimo.
Nem se fala nas conquistas promovidas pelo ministro da
Desburocratização Hélio Beltrão, quando atuou no ministério que perdurou entre
nós entre os anos de 1979 e 1986; muitas facilidades obtidas para
desburocratizar a catedral de papéis que somos obrigados a portar terminaram
sendo revogadas ou caídas no esquecimento, mesmo porque se avançava muito rapidamente
para diminuir a tortura dos cidadãos nos Cartórios e nas repartições públicas e
esta não é meta dos burocratas.
Vejamos o que dizem algumas leis e, na prática, o que se faz.
O Código Civil, art. 225, estabelece que reproduções fotográficas,
cinematográficas ou "quaisquer outras reproduções mecânicas ou eletrônicas
de fatos ou de coisas fazem prova plena destes, se a parte, contra quem forem
exibidos, não lhes impugnar a exatidão".
Órgãos públicos e privados continuam exigindo fotocópia
autenticada de documentos e ainda querem firma reconhecida.
As Constituições, inclusive a atual dispõem que é gratuita a
celebração do casamento civil, art. 226, § 1º. Os oficiais, entretanto,
encontraram meios para cobrar pelo ato e interpretam a literalidade do
texto para concluir que a celebração é realmente gratuita, mas a habilitação,
os proclamas, as certidões e os atestados, indispensáveis para a celebração,
são pagos. No final, o cidadão pobre termina sendo obrigado a desembolsar para
a regularização de situação fática extralegal, criada em função do
descumprimento da lei e da liberação de valores para regularização da vida
civil. Mas se dispensável a cobrança pela celebração do casamento, exigem o
atestado de pobreza; acontece que esse documento é obtido na Delegacia de
Polícia e o titular argui a indispensabilidade de diligência para fornecimento;
todavia, se dispensável esta, o atestado de pobreza expedido
deverá ser reconhecida a firma no Cartório e o ato é pago. Ainda há outra motivação para se cobrar o casamento civil,
consistente na alegação de que o serviço prestado é privado por delegação do
Poder Público e, portanto, não se pode deixar de cobrar sem que o Estado pague
pelo interessado.
O
registro civil de nascimento e a certidão de óbito também são documentos que
devem ser expedidos pelos Cartórios, gratuitamente, para os
"reconhecidamente pobres", art. 5º, LXXVI, a) e b), mas o cidadão
enfrentará a mesma dificuldade acima e termina tendo de pagar para obtê-los.
Registre-se que, nesse caso, não há dubiedade para interpretação da lei.
Somente após a edição da Lei n. 10.169 de 29/12/2000 foi possível
a obediência ao dispositivo constitucional. O art. 7º dessa lei estabelece que
os notários e registradores sujeitem às penas previstas na Lei n. 8.935/94 e o
art. 8º determina a forma de compensação aos serventuários pelos atos gratuitos
praticados.
A Bahia passa presentemente pelos últimos debates do Projeto de
Lei n. 18.324/2009, para a privatização dos Cartórios extrajudiciais, que são
os serviços notariais e de registro, conforme denominação constitucional.
Registre-se que, desde 1988, tais estabelecimentos deveriam estar sob a direção
de particulares, mas, passados mais de vinte anos, continuam públicos, prestando maus serviços aos jurisdicionados.
Nesses Cartórios são anotados o nascimento, o casamento, divórcio
e morte de todo cidadão; o reconhecimento de validade do diploma do
profissional; o registro de imóveis; eventuais restrições nos bens para
garantia, através da hipoteca, a abertura de uma empresa e muitos outros atos
da vida civil.
A Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) publicou, em
12/7/2010 a situação dos 14.964 Cartórios extrajudiciais do Brasil. Anotou que
há 5.561 cartórios preenchidos sem concurso público. Chamou a atenção para o fato
de que desses Cartórios com titulares interinos alguns recebem mensalmente a
importância de R$ 5 milhões; muitos ocupam o cargo por herança. O CNJ
descobriu 153 cartórios-fantasmas, que funcionam sem
qualquer autorização legal. Ou seja, o cidadão foi lá assumiu e passou
a praticar todos os atos como se fosse nomeado para o cargo. Tudo isso
acontece, apesar de a Constituição exigir concurso público para preenchimento
dos cargos, art. 236, § 3º.
Reportagem do jornal "O Globo" anotou que no ano de 2006
os quase 15 mil Cartórios extrajudiciais arrecadaram a significativa cifra de
R$ 4 bilhões. Nessa oportunidade, o CNJ recebeu dados e constatou que a
arrecadação média desses Cartórios mensalmente situa-se em quase R$ 30 mil. O
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro indica que o 9º Ofício do Registro de
Imóveis, no centro da cidade, arrecadou a importância de R$ 35.5 milhões no ano
de 2005.
Na Bahia são 1.549 Cartórios, sendo que desses 614 não tem
titulares.
Há Cartórios altamente lucrativos, Registro de Imóveis e
Tabelionatos; outros que não tem como se manter, Registro Civil de Nascimento e
Óbito.
Ocorreram algumas tentativas para alterar a sistemática cartorária
no Brasil. Em 2001, Proposta de Emenda Constitucional n. 25, de 22/08/2001,
buscou modificar o art. 236 da Constituição, nos seguintes termos:
Art. 236 ...
A Proposição n. 292 de 17/10/2000, Emenda à Constituição, procurou
transferir para os municípios, para as Juntas Comerciais dos Estados e para os
órgãos auxiliares da justiça, o registro das pessoas naturais, o registro de
imóveis, de pessoas jurídicas, a autenticação de documentos, o reconhecimento
de firmas e o protesto de títulos e documentos.
Evidente que nenhuma das proposições obteve êxito, porquanto o
lobby cartorário é muito forte e as proposições foram arquivadas.
No direito estrangeiro a matéria recebe tratamento diferenciado.
Em outro trabalho, mostramos que em Portugal, de onde herdamos a cultura
cartorária, já admite fé pública a inúmeras entidades profissionais, a exemplo
das Juntas de Freguesia, dos operadores dos Correios, das Câmaras de Comércio,
aptas a autenticar documentos de conformidade com o Decreto-Lei n. 28 de
13/03/2000.
Nos Estados Unidos a secretária de uma agência de automóvel, o
funcionário de um banco, os advogados tem o poder do notário e, portanto, aptos
a fazer o reconhecimento de firmas, sem custo algum.
A característica fundamental dos Cartórios situa-se no baixo custo
operacional da atividade, no risco zero da operação, seguido de altos
rendimentos para seus "proprietários".
Serve de retrato para os Cartórios o verso da música de Noel Rosa
"Parágrafo 4º - Ficam excetuados os serviços de registro de
imóveis que mediante lei estadual ou da Câmara Legislativa, serão exercidos
diretamente pelos Municípios ou pelo Distrito Federal".
"Espera mais um ano que eu vou ver.
Vou ver o que posso fazer.
Não posso resolver nesse momento,
Pois não achei o teu requerimento".
Fonte:
Antonio Pessoa Cardoso* - Desembargador do Tribunal
de Justiça do Estado da Bahia
►Grifos de Golpada de Mestre
►Grifos de Golpada de Mestre
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Cartório 24 horas
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