O fenômeno "bala perdida"
Introdução
Ana Patricia da Cunha
Oliveira
O Estado, como ente complexo que
se apresenta, assentado na condição de pessoa jurídica de direito público,
desenvolve atividade funcional por intermédio de seus servidores, dotados de
atribuições, que agem em nome e por conta dele, buscando sempre a promoção do
bem comum. Dessa forma, ao realizar as funções estatais, precipuamente, devem
respeitar os direitos consagrados universalmente nas legislações internas e
transnacionais.
Dentre os serviços prestados pelo
Estado, a segurança pública, que diz respeito à manutenção da ordem pública,
está intrinsecamente ligada ao conceito de integração dos entes federados –
União, Estados e Municípios – para que, em ação conjunta, assegurem o bem estar
geral, sem ferir os direitos fundamentais, individuais e coletivos, atividades
econômicas e sociais, bem como o patrimônio público e privado. [01]
Contudo, as inúmeras e constantes
propagandas na mídia têm informado, ao longo das últimas décadas, um crescente
aumento da insegurança pública nas grandes cidades, principalmente no Rio de
Janeiro, tendo a região urbana recebido maior destaque nos jornais escritos e
televisivos. A carência de estudos científicos voltados para a questão
contribui, por outro lado, para a crença na inquestionabilidade e na
legitimidade das informações midiáticas.
O pano de fundo em que a
insegurança pública está assentada, não é revelado pelos meios de comunicação
em massa. Os fatores sociais, que contribuem para esse contexto e que estão
ligados diretamente à mudança sócio-político-econômica que ocorreram no mundo
inteiro, não são citados. Nos últimos anos a fragilidade das relações
econômicas transnacionais e a ausência do poder público na manutenção e defesa
dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, tais como o emprego, a
saúde e a segurança, poderiam ser apontados como os principais fomentadores da
atual insegurança social.
Na sociedade pós-moderna,
importantes mudanças estruturais estão em funcionamento. Dentre aquelas que
possuem conexão direta ou indireta com a criminalidade, JOHNSTON (2002) entende
que podem ser apontadas: a) a mudança econômica; b) o processo de globalização
e localização; c) a mudança no sistema de estratificação, e d) as mudanças na
política e no Estado. E mais, para esse autor, a violência policial, em termos
conceituais, pode ser considerada como violência sistêmica, na medida em que os
seus efeitos são considerados reflexos do passado político brasileiro. [02]
Também colabora com este cenário,
o fato dos agentes públicos responsáveis pela segurança coletiva atuarem, na
maioria das vezes, contra ela. Segundo o professor de história Marcelo Freixo,
o Rio de Janeiro possui a polícia mais violenta do mundo [03]. Segundo ele,
foram mais de mil mortes em 2007, com tiros na nuca e à média distância – o que
caracterizaria execução sumária. Para se ter uma idéia, isso equivale a quase o
dobro da média anual de civis mortos por todas as polícias norte americanas
(federal, estaduais, municipais e de condado) no mesmo período: 350 pessoas,
segundo dados do FBI. [04]
Corrobora com este entendimento o
relatório intitulado "Violência policial no Rio de Janeiro: da abordagem
ao uso da força letal", realizado pela pesquisadora Silvia Ramos e emitido
pela Rede Social de Justiça e Diretos Humanos, o qual demonstra que o Brasil
possui um dos indicadores mais altos de violência letal no mundo, com 50 mil
homicídios por ano e uma taxa de 28,5 homicídios por cada 100 mil habitantes,
enfocando do Rio de Janeiro, com índice de 56,4, no ano de 2002. [05]
Tal documento reflete a
inabilidade do serviço de segurança pública, na medida em que a anomia
profissional, a carência de informação e a capacitação técnica reproduzem os
piores custos, pagos com a integridade física de membros de uma parcela social
economicamente desfavorecida da população carioca. Entre as causas que
determinam esse cenário, encontram-se a ausência de investimentos e políticas
públicas racionais, com o objetivo de atuação mais decisiva do Poder Judiciário
e das instâncias de controle social, como já revelou o sociólogo Luiz Eduardo
Soares [06].
Um estudo sobre as competências e
capacidades profissionais dos agentes públicos responsáveis pela segurança
pública poderia revelar a carência funcional, os salários defasados, o
desprestígio público e a corrupção crescente, como já denunciado pelo ilustre
professor Eugênio Rául Zaffaroni. [07]
Todavia, o presente estudo
pretende enfocar outro lado da questão: a orientação dos tribunais na responsabilização
do Estado pelas vítimas atingidas por sua atividade, ligada à segurança
pública. Ou, em outras palavras, a análise aqui apresentada indicará apenas
"a ponta do iceberg social". O objetivo principal é o de revelar a
evolução das decisões pretorianas, na medida em que, de início predominou o
entendimento da total irresponsabilidade do Estado, avançando, em seguida, em
direção à responsabilidade do Estado pelos atos dos seus agentes públicos,
notadamente, os policiais civis e militares.
Antes, porém, será realizado um
estudo sobre o conceito de segurança pública, apontando os agentes públicos
destacados para tal tarefa e, em seguida, o exame da expressão "bala
perdida" e sua incorporação nos documentos oficiais.
No capítulo seguinte serão
abordados os temas relativos à responsabilidade civil, tais como conceito,
teorias e as causas de excludentes de responsabilidade.
Por fim, no capítulo intitulado
"Evolução Jurisprudencial", serão apontadas as principais
jurisprudências relativas à (ir) responsabilização do Estado em decorrência dos
danos causados no desenvolvimento da atividade policial, indicando a evolução
das decisões, cujo ápice baseia-se no acórdão proferido pelo Estado de
Pernambuco.
No capítulo relativo à conclusão
serão traçadas algumas linhas de orientação para a defesa da responsabilidade
do Estado como corolário do perfil constitucional-político do Estado
Democrático de Direito.
Leia o artigo completo em:
http://meujus.com.br/revista/texto/18024/responsabilidade-civil-do-estado-em-relacao-a-seguranca-publica
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