16 de dez. de 2010

Responsabilidade civil do Estado em relação à segurança pública

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O fenômeno "bala perdida"
Introdução
Ana Patricia da Cunha Oliveira
O Estado, como ente complexo que se apresenta, assentado na condição de pessoa jurídica de direito público, desenvolve atividade funcional por intermédio de seus servidores, dotados de atribuições, que agem em nome e por conta dele, buscando sempre a promoção do bem comum. Dessa forma, ao realizar as funções estatais, precipuamente, devem respeitar os direitos consagrados universalmente nas legislações internas e transnacionais.
Dentre os serviços prestados pelo Estado, a segurança pública, que diz respeito à manutenção da ordem pública, está intrinsecamente ligada ao conceito de integração dos entes federados – União, Estados e Municípios – para que, em ação conjunta, assegurem o bem estar geral, sem ferir os direitos fundamentais, individuais e coletivos, atividades econômicas e sociais, bem como o patrimônio público e privado. [01]
Contudo, as inúmeras e constantes propagandas na mídia têm informado, ao longo das últimas décadas, um crescente aumento da insegurança pública nas grandes cidades, principalmente no Rio de Janeiro, tendo a região urbana recebido maior destaque nos jornais escritos e televisivos. A carência de estudos científicos voltados para a questão contribui, por outro lado, para a crença na inquestionabilidade e na legitimidade das informações midiáticas.
O pano de fundo em que a insegurança pública está assentada, não é revelado pelos meios de comunicação em massa. Os fatores sociais, que contribuem para esse contexto e que estão ligados diretamente à mudança sócio-político-econômica que ocorreram no mundo inteiro, não são citados. Nos últimos anos a fragilidade das relações econômicas transnacionais e a ausência do poder público na manutenção e defesa dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana, tais como o emprego, a saúde e a segurança, poderiam ser apontados como os principais fomentadores da atual insegurança social.
Na sociedade pós-moderna, importantes mudanças estruturais estão em funcionamento. Dentre aquelas que possuem conexão direta ou indireta com a criminalidade, JOHNSTON (2002) entende que podem ser apontadas: a) a mudança econômica; b) o processo de globalização e localização; c) a mudança no sistema de estratificação, e d) as mudanças na política e no Estado. E mais, para esse autor, a violência policial, em termos conceituais, pode ser considerada como violência sistêmica, na medida em que os seus efeitos são considerados reflexos do passado político brasileiro. [02]
Também colabora com este cenário, o fato dos agentes públicos responsáveis pela segurança coletiva atuarem, na maioria das vezes, contra ela. Segundo o professor de história Marcelo Freixo, o Rio de Janeiro possui a polícia mais violenta do mundo [03]. Segundo ele, foram mais de mil mortes em 2007, com tiros na nuca e à média distância – o que caracterizaria execução sumária. Para se ter uma idéia, isso equivale a quase o dobro da média anual de civis mortos por todas as polícias norte americanas (federal, estaduais, municipais e de condado) no mesmo período: 350 pessoas, segundo dados do FBI. [04]
Corrobora com este entendimento o relatório intitulado "Violência policial no Rio de Janeiro: da abordagem ao uso da força letal", realizado pela pesquisadora Silvia Ramos e emitido pela Rede Social de Justiça e Diretos Humanos, o qual demonstra que o Brasil possui um dos indicadores mais altos de violência letal no mundo, com 50 mil homicídios por ano e uma taxa de 28,5 homicídios por cada 100 mil habitantes, enfocando do Rio de Janeiro, com índice de 56,4, no ano de 2002. [05]
Tal documento reflete a inabilidade do serviço de segurança pública, na medida em que a anomia profissional, a carência de informação e a capacitação técnica reproduzem os piores custos, pagos com a integridade física de membros de uma parcela social economicamente desfavorecida da população carioca. Entre as causas que determinam esse cenário, encontram-se a ausência de investimentos e políticas públicas racionais, com o objetivo de atuação mais decisiva do Poder Judiciário e das instâncias de controle social, como já revelou o sociólogo Luiz Eduardo Soares [06].
Um estudo sobre as competências e capacidades profissionais dos agentes públicos responsáveis pela segurança pública poderia revelar a carência funcional, os salários defasados, o desprestígio público e a corrupção crescente, como já denunciado pelo ilustre professor Eugênio Rául Zaffaroni. [07]
Todavia, o presente estudo pretende enfocar outro lado da questão: a orientação dos tribunais na responsabilização do Estado pelas vítimas atingidas por sua atividade, ligada à segurança pública. Ou, em outras palavras, a análise aqui apresentada indicará apenas "a ponta do iceberg social". O objetivo principal é o de revelar a evolução das decisões pretorianas, na medida em que, de início predominou o entendimento da total irresponsabilidade do Estado, avançando, em seguida, em direção à responsabilidade do Estado pelos atos dos seus agentes públicos, notadamente, os policiais civis e militares.
Antes, porém, será realizado um estudo sobre o conceito de segurança pública, apontando os agentes públicos destacados para tal tarefa e, em seguida, o exame da expressão "bala perdida" e sua incorporação nos documentos oficiais.
No capítulo seguinte serão abordados os temas relativos à responsabilidade civil, tais como conceito, teorias e as causas de excludentes de responsabilidade.
Por fim, no capítulo intitulado "Evolução Jurisprudencial", serão apontadas as principais jurisprudências relativas à (ir) responsabilização do Estado em decorrência dos danos causados no desenvolvimento da atividade policial, indicando a evolução das decisões, cujo ápice baseia-se no acórdão proferido pelo Estado de Pernambuco.
No capítulo relativo à conclusão serão traçadas algumas linhas de orientação para a defesa da responsabilidade do Estado como corolário do perfil constitucional-político do Estado Democrático de Direito.
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