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Por Olavo de Carvalho
O aborto só é uma questão moral
porque ninguém conseguiu jamais provar, com certeza absoluta, que um feto é
mera extensão do corpo da mãe ou um ser humano de pleno direito. A existência
mesma da discussão interminável mostra que os argumentos de parte a parte soam
inconvincentes a quem os ouve, se não também a quem os emite. Existe aí
portanto uma dúvida legítima, que nenhuma resposta tem podido aplacar.
Transposta ao plano das decisões práticas, essa dúvida transforma-se na escolha
entre proibir ou autorizar um ato que tem cinqüenta por cento de chances de ser
uma inocente operação cirúrgica como qualquer outra, ou de ser, em vez disso,
um homicídio premeditado. Nessas condições, a única opção moralmente
justificada é, com toda a evidência, abster-se de praticá-lo.
À luz da razão, nenhum ser humano
pode arrogar-se o direito de cometer livremente um ato que ele próprio não sabe
dizer, com segurança, se é ou não um homicídio. Mais ainda: entre a prudência
que evita correr o risco desse homicídio e a afoiteza que se apressa em
cometê-lo em nome de tais ou quais benefícios sociais hipotéticos, o ônus da
prova cabe, decerto, aos defensores da segunda alternativa. Jamais tendo havido
um abortista capaz de provar com razões cabais a inumanidade dos fetos, seus
adversários têm todo o direito, e até o dever indeclinável, de exigir que ele
se abstenha de praticar uma ação cuja inocência é matéria de incerteza até para
ele próprio.
Se esse argumento é evidente por
si mesmo, é também manifesto que a quase totalidade dos abortistas opinantes
hoje em dia não logra perceber o seu alcance, pela simples razão de que a opção
pelo aborto supõe a incapacidade – ou, em certos casos, a má vontade criminosa
– de apreender a noção de “espécie”. Espécie é um conjunto de traços comuns,
inatos e inseparáveis, cuja presença enquadra um indivíduo, de uma vez para
sempre, numa natureza que ele compartilha com outros tantos indivíduos.
Pertencem à mesma espécie, eternamente, até mesmo os seus membros ainda não
nascidos, inclusive os não gerados, que quando gerados e nascidos vierem a
portar os mesmos traços comuns. Não é difícil compreender que os gatos do
século XXIII, quando nascerem, serão gatos e não tomates.
A opção pelo abortismo exige,
como condição prévia, a incapacidade ou recusa de apreender essa noção. Para o
abortista, a condição de “ser humano” não é uma qualidade inata definidora dos
membros da espécie, mas uma convenção que os já nascidos podem, a seu talante,
aplicar ou deixar de aplicar aos que ainda não nasceram. Quem decide se o feto
em gestação pertence ou não à humanidade é um consenso social, não a natureza
das coisas.
O grau de confusão mental
necessário para acreditar nessa idéia não é pequeno. Tanto que raramente os
abortistas alegam de maneira clara e explícita essa premissa fundante dos seus
argumentos. Em geral mantêm-na oculta, entre névoas (até para si próprios),
porque pressentem que enunciá-la em voz alta seria desmascará-la, no ato, como
presunção antropológica sem qualquer fundamento possível e, aliás, de aplicação
catastrófica: se a condição de ser humano é uma convenção social, nada impede
que uma convenção posterior a revogue, negando a humanidade de retardados
mentais, de aleijados, de homossexuais, de negros, de judeus, de ciganos ou de
quem quer que, segundo os caprichos do momento, pareça inconveniente.
Com toda a clareza que se poderia
exigir, a opção pelo abortismo repousa no apelo irracional à inexistente
autoridade de conferir ou negar, a quem bem se entenda, o estatuto de ser
humano, de bicho, de coisa ou de pedaço de coisa.
Não espanta que pessoas capazes
de tamanho barbarismo mental sejam também imunes a outras imposições da
consciência moral comum, como por exemplo o dever que um político tem de
prestar contas dos compromissos assumidos por ele ou por seu partido. É com
insensibilidade moral verdadeiramente sociopática que o sr. Lula da Silva e sua
querida Dona Dilma, após terem subscrito o programa de um partido que ama e
venera o aborto ao ponto de expulsar quem se oponha a essa idéia, saem
ostentando inocência de qualquer cumplicidade com a proposta abortista.
Seria tolice esperar coerência
moral de indivíduos que não respeitam nem mesmo o compromisso de reconhecer que
as demais pessoas humanas pertencem à mesma espécie deles por natureza e não
por uma generosa – e altamente revogável — concessão da sua parte.
Imagem da Web
Também não é de espantar que, na
ânsia de impor sua vontade de poder, mintam como demônios. Vejam os números de
mulheres supostamente vítimas anuais do aborto ilegal, que eles alegam para
enaltecer as virtudes sociais imaginárias do aborto legalizado. Eram milhões,
baixaram para milhares, depois viraram algumas centenas. Agora parece que
fecharam negócio em 180, quando o próprio SUS já admitiu que não passam de oito
ou nove. É claro: se você não apreende ou não respeita nem mesmo a distinção
entre espécies, como não seria também indiferente à exatidão das quantidades?
Uma deformidade mental traz a outra embutida.
Aristóteles aconselhava evitar o
debate com adversários incapazes de reconhecer ou de obedecer as regras
elementares da busca da verdade. Se algum abortista desejasse a verdade, teria
de reconhecer que é incapaz de provar a inumanidade dos fetos e admitir que, no
fundo, eles serem humanos ou não é coisa que não interfere, no mais mínimo que
seja, na sua decisão de matá-los. Mas confessar isso seria exibir um crachá de
sociopata. E sociopatas, por definição e fatalidade intrínseca, vivem de parecer
que não o são.
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