O administrador deve, pautando-se em critérios de oportunidade e conveniência, decidir qual a solução mais adequada a atingir o objetivo pretendido legalmente, qual seja, o interesse público. Contudo, tem-se observado – não somente nos dias atuais, mas também em outras épocas, passando por toda a história do país – que administradores públicos, descompromissados com a coisa pública, nem sempre têm agido com esse fim, visando principalmente à satisfação de seus próprios interesses ou de quaisquer outros, diversos do interesse coletivo, e, para isso, geralmente se utilizam do poder discricionário que lhes é conferido.
O clientelismo em decorrência da
distribuição discricionária de cargos comissionados
Um ato de improbidade que ofende o princípio da moralidade
administrativa
Elaborado em 01/2011, por Saulo do Nascimento Dias de Oliveira
É necessária a edição de norma legal que discipline as formas de acesso
a cargos em comissão, a fim de valorizar o concurso público como meio idôneo de
garantir o mérito, a isonomia e a moralidade no provimento de cargos públicos.
RESUMO
No contexto da Administração
Pública em nosso país, vez por outra se tem notícia de casos de corrupção em
que administradores públicos exorbitam os poderes que lhes são conferidos e
praticam atos com objetivos particulares, em detrimento do interesse público, o
qual detém supremacia sobre o interesse privado. Nesta senda, este trabalho
cuida de analisar a utilização desta liberdade conferida à Administração
Pública como forma de troca política de empregos por retribuições alheias ao
interesse público - prática esta chamada de clientelismo – e que se dá por ato
discricionário do administrador, o qual nomeia cargos em comissão com fulcro no
artigo 37, inciso II, da Constituição da República Federativa do Brasil de
1988. Pretende ainda relacionar esta prática com o princípio da moralidade
administrativa, demonstrando-se a violação aos preceitos de honestidade,
lealdade e boa-fé, e conseqüentemente, a violação de tal princípio. Demonstrada
a transgressão ao princípio da moralidade, cuida de abordar o enquadramento deste
fenômeno na Lei 8.429/92, Lei da Improbidade Administrativa, classificando o
ato do clientelismo como ato de improbidade. Por fim, conclui por defender a
aplicação direta da aludida Lei como instrumento de punição para os
transgressores, ressaltando ainda a urgente necessidade da edição de uma norma
legal que discipline as formas de acesso a cargos em comissão, limitando-as, a
fim de valorizar o concurso público como meio idôneo de garantir o mérito, a
isonomia e a moralidade no provimento de cargos públicos, estreitando os
caminhos para a corrupção. Quanto ao método, este trabalho utiliza o método
indutivo, cuja consecução se deu por meio de pesquisa bibliográfica,
utilizando, inclusive, notícias jornalísticas. Por tudo isso, este estudo se
mostra, no cenário e dias atuais, oportuno por proporcionar uma profunda
reflexão sobre o tema, apresentando, alfim, sugestões para a prevenção e o
combate à corrupção que decorre do clientelismo.
(...)
1.Introdução
Considerando o ordenamento
jurídico-administrativo, é cediço que o interesse público possui supremacia em
relação aos interesses particulares, devendo aquele ser perseguido a todo
momento pela Administração Pública, seja qual for o ato praticado. É, pois, por
essa razão que o sistema de normas confere à Administração algumas
prerrogativas e privilégios que a situam em patamar diferenciado em relação aos
administrados, como por exemplo, a presunção de legitimidade e veracidade de
seus atos, entre outros. Tudo isso com o intuito único de lhe imprimir maiores
condições na busca pelos interesses da coletividade.
Nesta via, não poucas vezes o
administrador público é autorizado pela lei a realizar suas atribuições com a
utilização do poder discricionário. Este, por sua vez, é conferido ao agente
público em alguns casos, no intuito de lhe possibilitar certa margem de
liberdade na decisão sobre qual a atitude melhor se aplica ao caso concreto, já
que a lei nem sempre é capaz de fazê-lo. Dessa forma, ao agir
discricionariamente, o administrador deve, pautando-se em critérios de
oportunidade e conveniência, decidir qual a solução mais adequada a atingir o
objetivo pretendido legalmente, qual seja, o interesse público
Contudo, tem-se observado – não
somente nos dias atuais, mas também em outras épocas, passando por toda a história
do país – que administradores públicos, descompromissados com a coisa pública,
nem sempre têm agido com esse fim, visando principalmente à satisfação de seus
próprios interesses ou de quaisquer outros, diversos do interesse coletivo, e,
para isso, geralmente se utilizam do poder discricionário que lhes é conferido.
Um caso de ato praticado com o
uso da discricionariedade é a nomeação de servidores nos quadros da
Administração Pública sem que estes tenham se submetido à regra do concurso
público. Trata-se dos conhecidos "cargos comissionados" ou
"cargos de confiança", encontrados em todas as esferas da
administração.
Autorizados pela própria
Constituição Federal de 1988, em seu artigo 37, inciso II, os cargos em
comissão foram trazidos por esta Carta Magna como uma exceção à regra do
concurso público, podendo ser ocupados por qualquer pessoa, conforme a
pretensão do administrador, o qual pode nomeá-la e exonerá-la livremente.
Entretanto, ocorre que, ao
autorizar a possibilidade de criação desses cargos, a Lei Maior apenas atribuiu
como limitação a necessidade de previsão em lei, a qual deverá mencionar os
percentuais de cargos a serem preenchidos por esta forma de provimento
funcional. Dessa forma, a Constituição abriu um leque enorme de possibilidades
de utilização desse dispositivo para nomear servidores sem o crivo do concurso
público. E é nesse contexto que surgem os maiores abusos.
Completamente descompromissados
com o interesse público, muitos administradores, como se tem observado, têm
usado dessa lacuna legal e do seu poder discricionário para criar cargos
demasiados – na maioria das vezes sem a efetiva necessidade – os quais, em sua
maior parte, são ocupados por pessoas que não possuem qualificação técnica
suficiente.
Visando a fins totalmente
contrários ao interesse público, esses cargos comissionados geralmente são
utilizados pelos administradores como meio de troca política, ou seja, os
cargos comissionados desnecessários são distribuídos a apaniguados, os quais
devem retribuí-lo por meio de votos, apoio político, dízimo partidário, etc.
Esta troca política, por sua vez, em que se tem como único escopo a satisfação
de interesses particulares, é chamada de clientelismo, e tem sido observada com
bastante freqüência nas relações políticas do país, sendo de fundamental
importância o seu estudo, razão por que foi escolhido como tema deste trabalho.
Contudo, observa-se que são
poucos os trabalhos acerca deste fenômeno, e, quando existem, não costumam
relacioná-los aos princípios constitucionais nem analisam seus impactos no
ordenamento jurídico. Geralmente, os trabalhos abordando este tema se limitam
apenas a realizar uma análise histórica ou política sobre o assunto.
Por essa razão, percebeu-se a
necessidade de realizar um estudo que relacionasse tal prática aos princípios
constitucionais, mais precisamente ao princípio da moralidade administrativa,
dissecando suas implicações no âmbito jurídico, e analisando ainda o seu
possível enquadramento como ato de improbidade administrativa.
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