Vitor Vilela Guglinski
A ocorrência sucessiva e acintosa de mau atendimento ao
consumidor, gerando a perda de tempo útil, tem levado a jurisprudência a dar
seus primeiros passos para admitir a reparação civil pela perda do tempo livre.
Há alguns anos, um novo estágio da massificação do consumo
inaugurou-se em nossa sociedade. Massificado o consumo, massificaram-se as
respectivas demandas, fazendo com que milhares de consumidores passassem a
lidar com uma série de infortúnios junto aos fornecedores para tentar
solucionar os problemas decorrentes das relações travadas entre esses dois
sujeitos.
É certo que as diversas questões que cercam nosso cotidiano
demandam algum tempo para ser solucionadas, o que nos leva a afirmar que é
perfeitamente normal “perder” ou “investir” nosso tempo para tratar das
questões do dia-a-dia, inclusive aquelas relacionadas ao consumo, uma vez que
essa atividade é, por todos, realizada ao longo das 24 horas do dia.
Mas, quais são os efeitos que sofremos quando a solução de simples
demandas de consumo requer tempo considerável, extravasando os limites da
razoabilidade? Como vem ocorrendo, é razoável exigir do consumidor que perca um
tempo precioso para solucionar questões dessa natureza, quando ao mesmo tempo
há outros afazeres e problemas mais sérios a solucionar no decorrer do dia?
Sobre o tema, o Juiz de Direito do TJPE – Luiz Mário Moutinho, em
mensagem postada em uma rede social, teceu interessante ponto de vista sobre a
importância e relatividade do tempo em nossas vidas. São suas palavras:
“A sensação do tempo é algo que varia com o tempo. Veja o exemplo
dos computadores. Temos um equipamento que tem um processador com certa
velocidade, e depois compramos outra máquina mais rápida alguns milésimos de
segundos, e logo achamos que o PC antigo é lento demais.
Da mesma forma as pessoas mais velhas viveram num tempo onde
passavam horas nas filas dos bancos para descontar um cheque ou esperavam dias
para que um cheque depositado fosse compensado.
Hoje a realidade da compensação dos cheques é outra, muito mais
rápida, 24 ou 48 horas. Porém, permanecer horas na fila de um banco não
corresponde à legitima expectativa do consumidor do século XXI, quando um
milésimo de segundo é uma eternidade.
O tempo é hoje um bem jurídico e só o seu titular pode dele
dispor. Quem injustificadamente se apropria deste bem causa lesão que,
dependendo das circunstâncias pode causar dano que vai além do simples
aborrecimento do cotidiano, ou seja, dano moral”.
As observações do magistrado pernambucano ilustram bem o caminho pelo qual a questão transita. Quando a má prestação de um serviço extravasa as raias da razoabilidade, dando lugar à irritação, a frustração, ao sentimento de descaso, ao sentimento de se sentir somente mais um número no rol de consumidores de uma empresa, é que ocorre a violação do direito à paz, à tranquilidade, à prestação adequada dos serviços contratados, enfim, a uma série de direitos intimamente relacionados à dignidade humana. Hoje o consumidor brasileiro percorre uma verdadeira via crucis para tentar ver respeitados os seus direitos.
Em decisão que condenou o
Banco do Brasil a indenizar uma consumidora em R$5 mil, o Des. Jones Figueiredo
Alves, também do tribunal pernambucano, ao proferir voto/vista na Apelação
Cível nº 230521-7, julgada pela 4ª Câmara Cível do TJPE, destacou em sua
decisão:
“A visão eclesiástica do
tempo diz-nos que tudo tem o seu tempo determinado e há tempo para todo
propósito debaixo do céu: há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de chorar
e tempo de rir; tempo de abraçar e tempo de afastar-se; tempo de amar e tempo
de aborrecer; tempo de guerra e tempo de paz.
(..)
A questão é de extrema gravidade e não se pode admiti-la, por
retóricas de tolerância ou de condescendência, que sejam os transtornos do
cotidiano que nos submetam a esse vilipêndio de tempo subtraído de vida, em
face de uma sociedade tecnológica e massificada, impessoal e disforme, onde
nela as pessoas possam perder a sua própria individualidade, consideradas que
se tornem apenas em usuários numerados em bancos informatizados de dados”.
(...)
Dentre os tribunais que mais têm acatado a tese da perda do tempo
útil está o TJRJ, podendo-se encontrar aproximadamente 40 acórdãos sobre o tema
no site daquele tribunal, alguns da relatoria do insigne processualista
Alexandre Câmara, o que sinaliza no sentido do fortalecimento e consequente
afirmação da teoria. Confiram-se algumas ementas:
DES. LUIZ FERNANDO DE CARVALHO - Julgamento: 13/04/2011 - TERCEIRA
CAMARA CIVEL.CONSUMIDOR. AÇÃO INDENIZATÓRIA. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE
TELEFONIA E DE INTERNET, ALÉM DE COBRANÇA INDEVIDA. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.
APELAÇÃO DA RÉ. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA OCORRÊNCIA DE UMA DAS EXCLUDENTES
PREVISTAS NO ART. 14, §3º DO CDC. CARACTERIZAÇÃO DA PERDA DO TEMPO LIVRE. DANOS
MORAIS FIXADOS PELA SENTENÇA DE ACORDO COM OS PARÂMETROS DA RAZOABILIDADE E
PROPORCIONALIDADE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS IGUALMENTE CORRETOS. DESPROVIMENTO
DO APELO.
DES. ALEXANDRE CAMARA - Julgamento: 03/11/2010 - SEGUNDA CAMARA CIVEL
Agravo Interno. Decisão monocrática em Apelação Cível que deu parcial
provimento ao recurso do agravado. Direito do Consumidor. Demanda
indenizatória. Seguro descontado de conta corrente sem autorização do
correntista. Descontos indevidos. Cancelamento das cobranças que se impõe.
Comprovação de inúmeras tentativas de resolução do problema, durante mais de
três anos, sem que fosse solucionado. Falha na prestação do serviço. Perda do
tempo livre. Dano moral configurado. Correto o valor da compensação fixado em
R$ 2.000,00. Juros moratórios a contar da citação. Aplicação da multa prevista
no § 2º do artigo 557 do CPC, no percentual de 10% (dez por cento) do valor
corrigido da causa. Recurso desprovido.
DES. MONICA TOLLEDO DE OLIVEIRA - Julgamento: 27/10/2010 - QUARTA
CAMARA CIVEL. Apelação. Danos morais. Contrato para instalação do serviço OI
VELOX ( banda larga internet). Inadimplemento contratual por parte da operadora
que alegou inviabilidade técnica por impropriedades da linha telefônica.
Sentença de procedência. Dano moral fixado em R$ 2.000,00. Apelos de ambas as
partes. A princípio, o inadimplemento contratual não acarreta danos morais,
porém, pelas peculiaridades do caso concreto, se verificou a ocorrência de
aborrecimentos anormais que devem ser compensados. Violação ao dever de
informação, art. 6º, III, do CDC. Grande lapso temporal entre a data da
celebração do contrato e a da comunicação de que a não seria viável a prestação
dos serviços por impropriedades técnicas da linha telefônica do Autor. Teoria
da Perda do Tempo Livre. Por mais de um ano, o Autor efetuou ligações para a Ré
na tentativa de que o serviço de internet fosse corretamente instalado, além de
ter recebido técnicos da Ré em sua residência, mas que não solucionavam os
problemas. Indenização bem dosada em R$ 2.000,00. Pequeno reparo na sentença
para fixar a correção monetária desde a data do arbitramento e juros moratórios
a partir da citação. Provimento parcial ao recurso do autor. Desprovimento ao
recurso do réu.
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